► Catalina POVJá ouviu falar em depressão pós-parto? Maggie estava sofrendo de algo um pouco mais complicado do que aquilo... Era como “depressão por nunca mais ter uma mínima chance de parir”.
Nos primeiros dois minutos, minha irmã estava achando essa história de ser vampira um máximo, mas então caiu na real. Ela, uma vegana assumida (um daqueles vegetarianos doidos com uma força de vontade surreal que nem mesmo bebiam leite e comiam ovos!) bebendo sangue de pessoas? Magaletha também sempre quis ter filhos, mesmo que fosse só um, e com a transformação todos os seus fluídos corporais viraram veneno, e ela não tinha mais como ter um bebê (Essa a Maggie demorou pra sacar... Sempre foi péssima com biologia). Depois daquilo começou o pandemônio.
Um urro afugentou os pássaros que descansavam pacificamente no topo de um pinheiro.
“Isso mesmo, Mag” pensei, revirando os olhos “Essa é uma atitude exemplar para uma amante de todas as criaturas vivas na terra.”
Magalheta bateu a cabeça na árvore com força, enquanto uivava e gemia.
- Além do mais, sem bebês? Como é isso? – Ela chorou – Eu não ligaria se morresse depois... E claro, adotar também seria uma opção, mas não ia dar... Afinal, eu podia aparecer faminta qualquer dia desses e...
Minha irmã juntou os braços ao lado do corpo e chacoalhou a cabeça freneticamente, em pânico.
- E como se não fosse o bastante, ainda não posso morrer! – Ela sibilou entredentes.
Epa! Qual era o problema na imortalidade? Afinal, aquilo era a melhor parte.
- Como? – Perguntei sem o menor tato.
- Catalina!! – Maggie gritou, virando-se para mim. Apesar de saber que tinha chances de vencê-la numa luta mano-a-mano (a fúria de uma recém-nascida contra a minha habilidade), vendo seus olhos vermelhos se virarem para mim, afiados como facas, perdi todas as defesas e passei a estremecer de medo – Você fez isso comigo! Faz idéia do que é ser condenada a uma existência eterna totalmente vazia??? – Magaletha deu alguns passos em minha direção, e eu recuei, ainda sentada no chão, fazendo um barulho de folhas se arrastando pelo bosque – É culpa sua!!! Toda sua!! Morrer seria melhor, seri...
A vampira medonha que estava me confrontando há um segundo atrás desabou no chão com um urro teatral e voltou a ser minha irmã.
- M-m-me d-desculp-pe! – Ela gaguejou – Não, n-não, Caty... – Maggie começou e balançar o corpo como se estivesse tendo uma convulsão.
Eu suspirei pesadamente. Certo, alguém poderia dizer que só fiz isso por ela ser minha irmã, e eu devia me sentir horrível vendo-a desse jeito, outros diriam que era o instinto ou a bondade humana ainda remanescente em mim, ou talvez até que eu estivesse apenas de saco cheio do chororô melodramático dela, mas, fosse pelo que fosse, eu me levantei das raízes em que estava deitada e ajoelhei-me ao se lado botando as mãos nos ombros frios dela.
Murmurei palavras aleatórias, tentando formular uma frase decente.
- Maggie... – sussurrei, abraçando-a – Eu sinto muito... Muito de verdade... Mas eu só fiz aquilo por que...
Percebendo o meu silêncio, Magaletha virou-se para mim. Seus olhos perderam o aspecto hostil, mas estavam tristes, queimando em tristeza, afogando-se nela...
- É difícil te dizer isso, mas... – Murmurei, agradecendo por não ser mais humana, senão daria sinais do meu constrangimento corando – Eu... Eu... Eu precisava... – Fiz uma longa pausa, tomando ar por impulso, mesmo sem necessidade, e falei em voz alta – Eu precisava de você. E ainda preciso. Demais.
Mag me abraçou, arrastando-me com ela pelo chão revestido de folhas até encostar em um dos pinheiros, me ajeitando em seu colo.
É claro que o que havia dito não fora encenação. Podem me chamar de egoísta ou monstruosa, mas condenara a pessoa mais importante para mim ao sofrimento eterno, a ser aquilo que ela mais odiava, por medo de ficar sozinha.
Sem aviso, Magaletha começou a cantar com sua voz divina uma música. Ela lembrara da minha favorita. Ela começara cantarolando, e tinha uma entonação muito mais pura e musical do que a interprete original. Na verdade, a cantora da qual me lembrava parecia estar sendo torturada, comparada a voz da minha irmã. Nem sereias poderiam fazer um som daqueles... Não era algo imaginável.
Claro, depois de dois minutos e quarenta e um segundos (sim, eu contei, está bem?) o mundo sumiu. Nunca vou saber o que aconteceu, já que Maggie não quisera me contar, mas eu simplesmente perdi a conciência, e voltei algumas horas mais tarde. O sol já estava a pino, então eu devia ter apagado por horas. Estranhamente, ela ainda cantava enquanto olhava para o topo das árvores. Um raio de sol atravessava a copa dos pinheiros, discreto como uma fita dourada, nos iluminando. Perguntei-me se ela vira seu reflexo depois de virar vampira. Ela estava tão bonita... Os cabelos estavam mais cheios, o cílios mais longos, e a pele sem marcas ou vincos. Naquele instante, é claro, ela estava brilhando como se fosse feita de bilhões de estrelas minúsculas. Aninhei-me melhor, e ela se virou para mim.
- Vamos sair dessa. – murmurei – Vou fazer de tudo para arranjar uma solução...
Ela assentiu lentamente, ainda cantando.
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