► Catherine POVForam três horas e meia dentro de um avião até Bucareste, sem respirar – eu sei que não preciso, mas... ainda é tão desconfortável –, mas fingindo fazê-lo, totalmente consciente do sangue correndo pelas veias da minha companheira de assento, uma senhora idosa, que me olhava com piedade, acreditando que era por medo de voar que eu me agarrava com tanta firmeza no braço da poltrona. Eu lembrava do que Gabe havia me dito, que recém-nascidos eram incontroláveis, que sua sede era muito mais intensa. Eu sabia disso, lembrava dos primeiros dias... Estava com sede, minha garganta queimava, e o veneno enchia minha boca. Mas eu não ia morder ninguém dentro daquele avião. Não queria fazê-lo. Com medo da viagem, invadi o banco de sangue do Hospital St. Thomas – de novo –, roubei uma pilha de bolsas de sangue e, mesmo sentindo um pouco de náusea, bebi tudo, até que não houvesse mais espaço dentro do meu estômago. Mas ali, sentada ao lado da senhora que continuava a me olhar... Ela estendeu a mão para tocar a minha. Eu estava fria, é óbvio, e ela tomou isto, somado à minha palidez extrema, como mais um sinal do meu suposto medo de voar. Continuei sem respirar, agarrada ao braço do assento, que, felizmente, ninguém havia notado que eu amassara com meu aperto de ferro, e olhando fixamente através da janela. Num gesto maternal, a velha mulher levou a mão ao meu rosto, para um carinho. Foi um erro. O cheiro do pulso dela perto do meu nariz e minha boca tornou a sede ainda maior e impossível de controlar... Sem que ninguém mais visse – a maioria dos passageiros dormia –, cravei meus dentes ali, sugando seu sangue avidamente. Ela sequer teve tempo de pensar em gritar. Enojada comigo mesma, eu a cobri com o cobertor, e apaguei as luzes de leitura. Pareceria que ela havia tido uma tranqüila morte natural.
Depois do desembarque, em Bucareste, foram mais duas horas e meia até Brasov, e finalmente, mais uma hora e um pouquinho, até chegar a Bran. Teria sido mais fácil correr, agora vejo, mas... ainda não estou habituada às facilidades de ser uma vampira. Bem, de qualquer modo, aqui estou.
Eu não sei exatamente o que esperava encontrar quando decidi vir até o Castelo de Bran, mas decididamente não era isso. Tudo bem, por fora até que sim. É uma construção enorme, encravada aos pés dos Cárpatos, feita de pedra, com uma floresta escura ao redor, realmente uma linda paisagem. Como eu já havia mencionado, o lugar agora é um museu. Eu o visitei durante o dia, circulei por toda a parte para memorizar cada canto daquele lugar. Precisaria disso quando voltasse, à noite, afinal, não esperava encontrar vampiros transitando por ali à luz do dia. As pessoas se afastavam instintivamente de mim, mas eu não estava com fome. Havia cometido mais um pequeno deslize em Brasov, quando um idiota tentou me assaltar. Às vezes esqueço o quanto sou forte, quando o empurrei, ele bateu com força na parede, e um filete de sangue escorreu por sua testa. Foi o bastante para incendiar minha garganta, e me fazer morder seu pescoço no mesmo instante. Mas deixe-me voltar ao que realmente interessa. O cheiro. Enquanto andava por entre aquelas paredes, sentia o tempo todo um cheiro que me era, ao mesmo tempo, totalmente estranho, e extremamente familiar, e cuja origem eu não conseguia localizar. Ele me atraía, e me amedrontava ao mesmo tempo. O que eu encontraria quando voltasse ao castelo, mais tarde?
Voltei à cidade, para o pequeno hotel onde havia me hospedado, desta vez, correndo. Iria ficar por lá até que anoitecesse, conseguir alguma... na falta de definição melhor, comida, e depois voltaria ao castelo.
Quando a noite caiu, eu deixei novamente o hotel e corri de volta para o castelo. À noite ele era mais parecido com o que eu imaginava enquanto ainda estava em Londres. Dei uma volta ao redor dele, procurando alguma passagem mais fácil e menos visível. Mas, é claro, como uma construção antiga, o castelo tinha poucas janelas, todas muito altas, de vitrais, e que não abriam, e como um bom museu, as poucas portas ficavam bem fechadas durante a noite. Escolhi uma das janelas que ficava mais distante da entrada de visitantes e saltei até ela, parando sem dificuldade no pequeno parapeito. Lamentando ter que fazê-lo, quebrei o vidro, o que causou um barulho que ecoou alto por todo o castelo – droga de lugar velho e vazio – e pulei para dentro do castelo com um baque surdo. Ainda fico espantada com a minha leveza e agilidade, quando era humana eu tinha um bom equilíbrio, fruto de anos de aulas de dança, mas agora era incomparavelmente melhor.
Voltei a percorrer as salas, câmaras e quartos. Aparentemente, o castelo estava vazio. Eu apenas podia ouvir o ruído distante do rádio de pilha do vigia, perto da entrada principal. E o cheiro continuava lá, por todo o canto. Eu fui seguindo aquele cheiro, buscando o lugar onde ele era mais intenso. Era o salão principal, no andar térreo. O cheiro vinha... do chão? Eu já estava me abaixando para tentar descobrir de onde afinal vinha aquele maldito cheiro, quando ouvi aquela voz às minhas costas.
- Invadir museus no meio da noite é crime, sabia?
Se meu coração ainda batesse, ele com certeza estaria quase saindo pela boca. O primeiro pensamento que me ocorreu foi “Gabe”, mas quanto a isso eu estava errada. Eu me virei rapidamente, para o lugar de onde vinha a voz, que, e disso eu tinha certeza, não era humana. E sobre isto eu estava certa. Me encarando, a apenas alguns passos de distância, havia um jovem, que devia ter mais ou menos a minha idade, e olhos tão ou mais vermelhos do que os meus.
- Olá, estranha. – disse ele, com um leve sorriso.
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