► William POVEra de um prazer inexplicável ficar dentro daquela peça subterrânea, senão mágica. Em uma das poucas vezes da minha vida, eu pude sentir o cheiro separado do ar, das construções, dos materiais, do pó que se acumulava com as eras e, de longe, o cheiro de mais um vampiro e dos dois moradores do castelo de Bran. Tudo isso sem o cheiro de humanos, sem o cheiro do desespero. E aproveitar aquilo era como tomar banho em uma fonte termal; nada mais relaxante.
Mas duas coisas tomavam conta dos meus pensamentos. A primeira, é claro, era o aroma adocicado que indicava que havia outro vampiro no recinto, um vampiro que eu nem ao menos havia visto. A segunda, era a dúvida já sanada sobre ficar ou não com os vampiros Romenos.
Desde que fora humano, eu sabia que não tinha nascido com o propósito de servir alguém. Fora me dado o gene da liderança. Eu era um líder nato e sabia disso, e se não pudesse ser líder, então seria sozinho, nunca da criadagem. E seria essa a minha função se eu aceitasse a proposta de Vladimir e Stefan. Meus instintos diziam isso, bem como o meu cérebro. Eu sabia que eu não podia ficar ali com eles, eu sabia que estava só matando tempo, deitado no chão daquela peça, sozinho, aproveitando o cheiro de cada átomo, mas eu também não queria sair. Ir em direção a algo que eu nem ao menos conhecia parecia agora insanidade, quando você sabe que existem coisas que podem ser muito perigosas. E os dois vampiros sabiam todas as respostas. Talvez fosse insanidade sair, também. Aquele era o fim da linha, e eu seria insano de qualquer jeito.
Levantei do chão em um pulo, e alisei a roupa que eu estava no corpo. Inspirei por uma última vez o ar daquela fortificação e saí a passos rápidos. Eu sabia o caminho que Stefan tinha seguido ao me conduzir a este quarto, então conseguiria voltar ao salão principal até de olhos fechados.
- Já se decidiu? – Eu pude ouvir a voz de Vladimir retumbar por meus ouvidos e ecoar pelos quatro corredores, um em cada parede do salão, quando eu ultrapassava a última distância e aparecia na peça. – Vejo que você é rápido no gatilho! – Ele disse e virou-se de frente para mim. O cheiro de sangue vindo da taça que o vampiro segurava encheu minhas narinas e permaneceu em minha mente. Minha garganta reclamou, e eu abri a boca por breves instantes, antes de fechá-la novamente com força.
- Cadê o Stefan? – Perguntei, olhando para os lados. Provavelmente uma emboscada, caso eu não concordasse em participar do bando. Isso era jogo sujo!
- Cuidando da nossa outra hóspede. – Comentou ele, em tom casual, enquanto bebericava o sangue da taça. – Está servido?
- Não, obrigado. – Declinei, embora todo o meu corpo implorasse por sangue. Aparentemente, tinha ficado mais tempo do que pensava naquele quarto. – Eu só quero comunicar a minha decisão. – Falei o mais sério que pude.
- Vejo que esse discurso não vai ser tão bom para a nossa causa. – Vladimir fixou o olhar no chão, enquanto mexia avidamente em movimentos circulares a taça, fazendo o sangue girar. – Mas vamos lá. Sou todo ouvidos.
- Antes, gostaria de esperar a volta de Stefan, assim poupo o tem...
- Aqui estamos nós. – Falou uma voz doce e cantada demais para ser masculina. Girei cento e oitenta graus com a palma dos pés, e olhei estupefato para a menina, e ao seu lado, Stefan.
- Tiphany. – Ela se apresentou, e andou até ficar ao lado de Vladimir. Stefan fez o mesmo.
- Pode anunciar agora. – Reservei uns dez segundos para fazer meu cérebro voltar a funcionar, até poder abrir a boca e falar algo coerente.
- Eu decidi que não posso seguir a sua causa. – Ser direto seria mais prático do que ficar enrolando os dois vampiros mais experientes do planeta. – Não nasci para servir causas maiores, nasci sim para ter as minhas próprias. Não posso participar do bando. Eu não seria eu, se o fizesse.
Eles ficaram em silêncio o tempo suficiente para eu sentir meu estômago revirar.
- Está bem. – Falou por fim Stefan, com um breve sorriso no rosto. – Não era de se esperar que todos os que viessem aqui colaborassem conosco.
- Pedimos, ao menos, que não revele nossa moradia a um Volturi. – Completou Vladimir, terminando de beber o sangue da taça. Tiphany permaneceu quieta. – Você pode sair pelo mesmo lugar que entrou.
- Esperamos vê-lo em breve, William Blake. – Disse por fim Stefan, enquanto eu me dirigia ao corredor que me levava à saída. – E então poderemos lutar não em um mesmo bando, mas com os mesmos ideais. – Eu sorri para ele, e desapareci no corredor escuro.
Passei pelos mesmos corredores aos quais eu tinha me aventurado algum tempo antes, tempo o qual eu não sabia ao certo o que me esperava aqui no castelo de Bran. Vir à Romênia não tinha sido afinal tão grande perda de tempo. Eu sabia agora que não era alguma coisa que possuía todas as respostas, mas sim quem. E também tinha agora um motivo para não sabê-las. E agora tinha um motivo para existir. Ter todas as respostas, no fim, deve ser muito mais chato do que se espera.
Fechei o piso falso do salão central da parte externa do castelo de Bran, e desenrolei o tapete. Mas o cheiro de vampiro não cessou. Inspirei novamente, para só então perceber que havia mais um vampiro no recinto, um vampiro que ainda não tinha chegado ao castelo de Bran. Ele tinha o cheiro da Europa.
Segui o aroma até perceber que ela entraria do mesmo modo que eu, por uma das janelas. A esperei na peça, até ver sua silhueta no parapeito da janela. Protegendo os olhos devido a um resquício de auto-proteção que minha vivência humana tinha me dado, a vi descer até o piso, enquanto eu me escondia em uma das salas adjacentes. Era uma vampira. Ela procurou por todas as peças, enquanto eu me escondia atrás de uma poltrona. Percebi como ela repetia o gesto de voltar ao salão principal, sempre que saía de uma saleta ou outra. Ela se abaixou para tocar no tapete, e eu corri, sem fazer barulho algum, em direção a ela.
- Invadir museus no meio da noite é crime, sabia? – Zombei, enquanto ela se virava na minha direção com uma expressão perplexa no rosto. – Olá, estranha. – Eu sorri, pouco antes de apontar o piso falso e dizer qual a direção ela devia tomar. Ainda com o sorriso no rosto, despedi-me do cheiro especial que emanava das paredes milenárias, antes de sair, veloz, pela mesma janela que a vampira havia quebrado.
(0)